Reportagem Touché Amoré no Porto
Somber Rites
Carbine
Na semana passada, Os Touché Amoré e os Code Orange visitaram pela primeira vez o nosso país, numa aguardada estreia que terminou, depois da passagem por Lisboa, com uma bela noite na Sala 2 do Hard Club.
Antes da chegada das bandas principais, os Somber Rites e os Carbinesubiram ao palco para dar início a uma intensa noite de concertos.
Os primeiros, cujo vocalista muitos reconheceram do tempo passado com os TwentyInchBurial, ofereceram um hardcore competente, mas que necessita de ser mais trabalhado, pois ainda não têm composições realmente memoráveis; o que têm, todavia, é uma postura profissional e tempo para aperfeiçoar a fórmula.
Quanto aos britânicos Carbine, exibiram muita garra, mas o som que praticam - um hardcore musculado que ocasionalmente explora o território do deathcore – é demasiado genérico para que realmente fiquemos convencidos. Contudo, uma coisa é certa: estas actuações, pela energia que possuíram, deixaram-nos no estado de espírito certo para a tareia sonora que se seguiu.
Se há palavra que define a apresentação dos Code Orange, essa palavra é caos, e não nos referimos somente à sonoridade devastadora do grupo: a reacção de alguns membros da plateia foi efusiva ao ponto de se ter tornado fisicamente agressiva, mas independentemente dos perigos associados a esta tradição (hardcore dancing, é como lhe chamam), é inegável que o ambiente estava ao rubro e que estávamos a ver um concerto cuja brutalidade chegou mesmo a ser arrepiante - na verdade, há poucas bandas tão demolidoras em palco como os Code Orange.
Essa intensidade é também explicada pela música que produzem - uma diabólica, frenética e esquizofrénica mistura de metal, hardcore e industrial, que traz à memória nomes como Sepultura, Machine Head, Godflesh ou mesmo Slipknot. Contudo, a beleza destas influências – directas ou indirectas - reside na forma como são incorporadas, pois sentimos que o grupo possui inteligência e criatividade suficiente para não se limitar a incluí-las na sua música, optando por criar um legado próprio. Buscam inspiração ao passado, mas são um produto do presente, um exemplo do que a música extrema deve ser em 2017.
Foram também, e isto deverá ser sempre enfatizado, uma cruel máquina de guerra que disparou malhas como “Forever” ou “Kill the Creator”, numa verdadeira sessão de porrada. Os Code Orange têm muito para dar e ainda nem sequer atingiram todo o seu potencial. Preparem-se para a viagem.
A fasquia, após o furacão que por aqui passou, era elevada, mas os Touché Amoré conseguiram superar todas as expectativas, tendo assinado uma prestação praticamente perfeita. Na verdade, o único defeito a apontar nem sequer teve a ver com eles, mas sim com o lamentável momento em que um indivíduo, num stage diving com resultados catastróficos, bateu com a cara no chão, lesionando-se. Houve, como era de esperar, preocupação com o que tinha acabado de acontecer - numa fase inicial, era possível observar algumas pessoas a tentar entender a natureza do acidente. Seja como for, depois de uma breve interrupção, o concerto recomeçou.
Descrever a magia do que se viveu neste local é uma tarefa árdua e ingrata, pois nenhuma palavra faz jus à paixão genuína desta prestação - só quem lá esteve é que sabe o quão marcante a experiência foi. Jeremy Bolm berrava com determinação potentes hinos de pós-hardcore com pitadas de emo, e esse registo ainda mais impressionante se tornava quando o grupo apresentava temas do mais recente “ Stage Four”, em que o conteúdo lírico aborda a trágica morte da mãe de Jeremy, vítima de cancro aos 69 anos. Não é fácil lidar, noite após noite, com as memórias dolorosas de um evento traumático, mas é isso que o dinâmico vocalista faz sempre que se entrega de corpo e alma à interpretação de músicas como “Flowers and You”, “ New Halloween” ou “Rapture”. Enfrenta a escuridão para chegar à luz, partilhando com os seus fãs a dor de perder alguém tão importante na sua vida, ao mesmo tempo que se alimenta do entusiasmo que o público transmite e retribui com toda a energia que consegue reunir.
Houve muito suor e emoção nesta magnífica noite que dificilmente abandonará a memória de quem a presenciou. Esperamos anos para finalmente ver os Touché Amoré e a banda deu tudo o que tinha, numa verdadeira demonstração de amor à camisola. Simplesmente inesquecível.
- Organização:Ample Talent
- quinta-feira, 18 abril 2024